Existe uma grande mudança em curso — Parte III

Simone Solidade
5 min readJan 31, 2023

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Recadinhos paroquiais: Chegamos a uma "parte 3" pra parcelar o que queria organizar e registrar por aqui, e que não tinha ideia que se tornaria num texto tão longo…rs. Mas, pra entender melhor, volta aqui pra ver de onde veio tanta cabalice!

OK. Agora que compartilhei o contexto que gerou isto tudo e o caminho (já com alguns aprendizados práticos), vamos às conclusões filosóficas (porque isso não pode faltar, né?):

  • Quando se trata de hábitos, não é uma falha humana . Muitas vezes, é só um processo errado. Na lógica da culpa, é comum que a cada promessa não cumprida por nós mesmas, a “força de vontade” diminui e achamos que não somos disciplinados, organizados ou competentes o suficiente. É como cair num caminho onde não parece que existe alternativa. Por que fazemos isso com a gente, não? O curioso é que o caminho alternativo hoje de fato algo pode ser feito, é "até mais simples": não é tão mais fácil aceitar que simplesmente podemos estar dependendo de processos mal construídos? É o processo que lida com o universo palpável, acessível, portanto, é o que pode ser mexido e remexido até resultar naquilo que se quer concretizar.
  • Organizar não é sobre “consertar ou resolver tudo”. É sobre tornar a convivência com a nossa vulnerabilidade/impotência um pouco mais possível. Parece que entendi o que significa dizer que “organização não é um local — algo fixo — onde se chega”. De fato, é um processo contínuo e dinâmico de formulação de critérios que ajudam a ver o quê e de que modo algo pode ser feito em determinados contextos.
  • Ter mais disposição nem sempre é sobre poupar ou eliminar um conjunto de práticas. Às vezes é justamente sobre saber o que adicionar pra trazer a energia de volta. Voltando à metáfora do celular velho, que comentei na parte I deste texto: Ainda que você use o celular somente em momentos essenciais, ainda que você apague os excessos de arquivos, imagens e apps. Você pode conseguir estender a bateria do celular, mas nunca substituir a necessidade de colocá-lo na tomada. O que preciso cultivar para me recarregar? Quais são meus rituais de auto-resgate? (aprendi essa expressão no curso do Eu Organizado )
  • Sonhos grandes e repentinos, às vezes, são só sinais de alerta: Houve um momento em que passei a buscar um novo apartamento para alugar. Parecia algo óbvio, já que o contrato atual estava quase acabando e pensei na possibilidade de um novo reajuste, o que tornaria o aluguel inviável. O que não era óbvio é que, a repentina disposição para buscar e visitar apartamentos diariamente, numa fase em que mal conseguia lavar a louça, não era necessariamente um “sinal de melhora”. A ideia de imaginar um novo apartamento, com uma nova decoração, me trazia um tipo de “motivação” que há muito tempo não sentia, mas que ainda sim me fazia procrastinar — ainda que de uma forma “aparentemente produtiva”, já que "a coisa" sobre a qual eu verdadeiramente precisava prestar atenção era a dificuldade de lidar com as “pequenas coisas” da minha casa atual e da frustração que isto me fazia sentir .
  • Qualquer ideia de eficiência ou produtividade que não considere espaço pra sentir, nunca servirá à Saúde. Muitas vezes senti um certo saudosismo da Simone que fui até uns 26 anos: a que era pontual, a que resolvia coisas antecipadamente, não deixava nada pra depois, a que “dava conta de tudo”. Ao mesmo tempo, é até estranho pensar que já fui este ser humano um dia. Porém, de todas as lições que a depressão já me trouxe, há uma que é: quando o pilar dessa produtividade é o entendimento de que "só assim eu seria merecedora de algo bom” (super auto-cobrança) ou um modo pra camuflar a dificuldade de lidar com meus sentimentos (frustrações, medos — ou qualquer coisa que representasse uma ameaça a todo um “sistema de crenças” baseada no “esforço” como ingresso pro “paraíso"), essa produtividade é uma ilusão. A verdade é que fui produtiva enquanto a minha ideia de produtividade era só uma camuflagem pra me proteger do tamanho da dor que sentia. Então não é disso que devo sentir saudade, certo?
  • Não é porque não posso fazer tudo o que eu quero, que vou deixar de fazer tudo o que eu posso (parece frase de Facebook, mas fui eu que pensei, juro). Pra explicar essa, terei que recorrer a uma breve história: Tenho a sorte de ter uma janela bem grande aqui na sala de casa. Nos meus momentos de faxina, era comum deixar janela de lado. Afinal, "pra limpar mesmo, tinha que lavar com água, com cândida, com equipamentos especiais". E claro que, diante de tanta preparação, a conclusão mais óbvia é "melhor não começar hoje, vai dar muito trabalho, depois tiro um dia só pra isso". Isto é o que diz a voz do perfeccionismo, meus caros. A voz que te paralisa diante de uma simples janela por achar que você não tem a roupa de astronauta mais adequada para limpá-la. Um belo dia, estava limpando o espelho com um simples paninho. Era o que eu tinha, era o que já estava na mão. Olhei pra janela e, supreendentemente pensei "vou limpar com isso mesmo". E limpei. Foram 10 minutos pra concluir uma limpeza que adiei por quase 2 anos. Algo simples, mas que só foi possível no momento em que abandonei o "meu ideal de faxina" (que coincidentemente, é sempre mais complexo). E então é fácil entender porque tantas outras coisas da vida também moram num eterno "depois tiro um dia só pra isso", não?

De modo geral, colocar minha atenção nestes temas também é uma maneira de tirar o trabalho/carreira do centro da existência e finalmente colocar meus “talentos” à disposição de outras construções — outra velha demanda terapêutica por aqui.

Ainda que envolva uma visão de longo prazo, é um exercício de se apaixonar pelas miudezas do cotidiano e, consequentemente, aprender a se encantar com cada pequena constância e integração. E como é bom finalmente sentir que este passou a ser "o meu novo sonho grande".

Também acaba sendo uma forma de compreender a complexidade da realidade: visualizar os micro-passos na construção de qualquer coisa que se queira viver te liberta de prazos, da ideia de performance e te põe no presente pra você enxergar a urgência de ter compaixão consigo mesmo mesma. No final, o meu conceito de saúde virou tudo isso. Sigamos na construção!

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