O tal do “journaling”

Simone Solidade
6 min readJun 6, 2024

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Antes de sermos inundados por memes do tipo “então é Natal…e o que você fez?”, já digo que…de Simone pra Simone? Fiz o que pude — e olha que, desta vez, consigo até esticar o assunto. E por que? Por que anotei. Tudo.

Em mais um dos episódios de Simone rolando no vórtice do Instagram, fui pega por algum daqueles cortes de podcast de homens brancos (meu deus) contando algum caso de superação (oh céus). O caso não era da pessoa que falava (menos mal), era do ator Sylvester Stallone. Dizia o homi que Stalloninho já havia sido recusado em todas as agências de algumas dessas cidades dos states que não-sei-o-nome-agora, até que um dia, estava num bar, viu uma luta de boxe e reparou como um dos lutadores simplesmente não desistia, apesar do perrengue da luta. Stalloninho olhou pra tela e pensou “esse cara sou eu”. Logo ele, que estudava roteiros de cinema na época, na expectativa de se tornar um melhor ator. E pei — lá estava a semente do roteiro onde contaria a própria história de insistência até a vitória, porém, sob a forma de um lutador de boxe.

Essa história é verdade? Bem, assim como as milhares de frases atribuídas a Clarice Lispector, jamais saberemos. Mas o fato é que o homi que narrava a história, concluiu seu raciocínio dizendo algo como: “aquilo que é sua pedrinha no sapato é a coisa que veio te preparar pra que você se torne (ou faça) aquilo que você tanto deseja”. É brega? Também, mas caramba, de repente estava eu impactada com mais um recorte insuportável de um podcast que nem sei se existe.

E talvez eu tenha sido impactada por me deparar com uma síntese de algo que já habita um pacotinho de crenças minhas, mas que costuma se manifestar mais em forma de pergunta do que de afirmação:

De tantas pedrinhas no sapato pra gente superar, porque a gente se engaja mais com umas, enquanto sai correndo de outras? Tem algo aí pra olhar…não tem?

Uma das pedrinhas famosas do lado de cá é uma coisa chamada rotina — um tema cultivado ao som de “entre tapas e beijos, é ódio, é desejo; é sonho, é ternura”. Ao contrário de tantas outras perebas, esta em particular, curiosamente vem com um certo brinde: aquele desejo de superação do nosso Stalloninho — afinal, a pessoa que arruma o guarda-roupa por cor (desde criança) e a que continua acordando cedo pra se atrasar com calma pra qualquer compromisso matinal, precisam entrar em um acordo aqui dentro.

E quando falo sobre “organizar a rotina”, não tenho a expectativa de criar um modelo de lista de tarefas, com hora pra começar e terminar, e que se repete ao longo de todos os dias. O desejo aqui, não é sobre controle ou previsibilidade (ao menos de modo consciente), é mais sobre adaptabilidade e bem-estar.

Há cerca de 2 anos venho estudando alguns “métodos de organização” e, depois e cursos, livros e centenas de vídeos desse Youtube-de-meu-deus — consegui alguns micro-avanços, que cheguei a compartilhar nos meus últimos textos por aqui (vem cá ler, mas volta!).

Mas hoje, a ideia não é focar em técnicas e ferramentas. Só gostaria de organizar (olha só) algumas reflexões do processo das mil tentativas. O tipo de coisa que a gente só repara nas entrelinhas das coisas: a mágica que é simplesmente escrever.

Escrever (quase que) diariamente não é uma tarefa fácil. Ainda que não seja uma escrita “criativa” (do ponto de vista mais inventivo da coisa) e mais um registro de fatos da vida, escrever como “caminho pra construir rotina” não parece um caminho muito óbvio num primeiro momento. E escrever à mão, com caneta, no papel, talvez faça menos sentido, já que estamos neste universo cheio de apps e automatizações — pra que se dar a este trabalho?

Manualidade como ritual

O que tenho aprendido é que é menos sobre o registro, e mais sobre a coisa que me faz parar e dedicar minha atenção a um determinado assunto. De repente percebi a “louca da papelaria” vindo a tona novamente, aquela menininha encantada por cadernos, papéis e canetas coloridas (ainda que vivesse a base do trio azul, preto e vermelho) me traria a pista que falta para cultivar a consistência que tanto precisava.

Ainda que, nos dias atuais, a “louca do Notion” também viva em mim, a que organiza os caderninhos tem me ajudado a desvendar que alguma coisa acontece ao escrever (não digitar). E então é nisso que me ancorei.

Auto-observação como matéria-prima

Escrever exercita seu poder de escolha: afinal, escrever sobre o quê? Mas nem sempre a escolha vem antes de começar a escrever. Muitas vezes, a escolha é percebida no durante. Então não se preocupe. Se não souber sobre o que escrever, basta encostar o lápis na folha em branco, e deixar que essa escolha se manifeste. E então esta auto-observação vai se desdobrando:

Se eu já tinha um tema em mente, está claro por que este tema quer um pouquinho mais de atenção?
Se eu já tinha vários temas em mente, decido falar de todos, ou escolho somente um?
E o que eu faço pra escolher este tema?
Que critérios eu uso pra entender qual tema será relevante neste momento?
E se eu só deixar o tema vir…como me sinto em relação a isso?

Registro como ensaio

Para além da escrita “que desafoga a cabeça”, comecei a treinar algo mais estruturado, com a intenção de entender quais são hábitos atuais e como são construídos, de um modo que isto me ajudasse a vislumbrar quais outros hábitos seria importante cultivar.

Este exercício me levou a outro combo de reflexões em torno de “qual maneira de registrar que pode me ajudar a tirar melhores conclusões sobre este algo?”

Que critérios eu preciso considerar pra avaliar algo?
E como registrar este algo?
É um número?
É uma pontuação absoluta?
Quais as nuances que existem?
E como registrar algo que ajude a construir uma visualização que fale por si só? Seria a hora de trazer o desenho como apoio?

Claro que esta reflexão só tem sentido de existir se houver uma intenção de releitura. Enquanto utilizamos nosso caderninho apenas como um “pronto-socorro”, pensar em possibilidades de formatos pros registros parece só algo trabalhoso demais. Mas se encararmos nossa escrita como um processo de investigação de nós mesmos, facilitar a leitura para sua própria versão do futuro é sempre uma boa pedida.

Releitura como aliado

Tá, agora que reli, faço o quê com isso?
Aliás, é pra fazer alguma coisa?
Afinal, o que faz sentido esperar a partir dessas releituras?

Aí tem a coisa de reler. Quando? Com que frequência? Com qual olhar?

Aos poucos fui descobrindo que eu era muito melhor de registro, organização de ideias e planejamento, do que de execução. (E ok, não foi algo supreendente, dada a lista de tarefas não cumpridas, incluindo a tentativa de finalizar um checkup médico desde 2018, e que não passa da primeira consulta).

Outra coisa boa é entender que, pra planejar algo realmente cuidadoso e real pra você (e não algo que será só mais um método pra te chicotear), a observação do dia-a-dia, é essencial. Ela que dá chão pra construir expectativas factíveis. E então a execução vem de maneira bem mais natural.

Descobertas carinhosas sobre si— o melhor dos resultados

Talvez eu ainda precise passar mais um tempinho nessa observação, pra vencer os vídeo-games das tarefas que não se concluem — não, não tenho tantos cases de sucesso pra contar.

O case de sucesso, na verdade, é o fato de eu ter conseguido ter constância em alguma coisa na vida. Isso é mágico. E constância é um bom tema pra investigar ainda mais em 2024.

A ideia de compartilhar estas coisas é bem menos pra dizer “olha aí o que fazer, só copiar que funciona”. Nada disso. É mais pra servir de incentivo caso a ideia de olhar pra essas coisas já esteja circulando por aí. Só queria mesmo dizer que sim, vale a pena se afundar em vídeos, leituras, pinterests de cadernos alheios — MAS, desde que vc não perca de vista que o seu processo é totalmente personalizado — nada de usar uma inspiração como mais um motivo pra se botar pra baixo ou qualquer coisa que faça você concluir que “ ah, nasci bagunçada, não tem jeito mesmo”

Por enquanto é isto. A gente se encontra nos próximos caminhos. Ou caderninhos.

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